terça-feira, 2 de junho de 2009

Evolução das Línguas

A EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS . Essas especulações sobre as origens são muito incertas. Em compensação, a lingüística nos ensina como evoluem as línguas. Mostra-nos, primeiro, que, a despeito das influências conservadoras e conformistas, há uma flutuação contínua das línguas, do tríplice ponto de vista fonético (forma dos sons), morfológico (gramática e sintaxe) e semântico (sentido das palavras). As línguas se transformam pela acumulação de uma série de pequenas mudanças insensíveis, ou quase insensíveis, para os que são seus autores ou suas testemunhas.

Paul Guillaume

EVOLUÇÃO FONÉTICA. – As palavras tendem a abreviar-se: ao passar do latim para o francês popular, perdem certas sílabas [anima=ame]. O – c – latino diante de um – a – dá em francês – ch – [canem=chien; carmen=charme]. O ditongo – oi –, em francês [roi, moi], pronunciado – oué – no século XVII, torna-se – oua – no século XVIII.

As alterações fonéticas são bastante evidentes na evolução divergente de diversas línguas, a partir de uma língua mãe (francês, espanhol, italiano, romeno, a partir do latim).

EVOLUÇÃO MORFOLÓGICA. – Ao passar do latim para o francês, alteraram-se a gramática e a sintaxe: as declinações caem em desuso; a ordem das palavras se torna mais rígida; as preposições, unindo palavras doravante invariáveis, desenvolvem-se.

EVOLUÇÃO SEMÂNTICA. – Esta é a que mais nos interessa aqui. As mudanças de sentido são, algumas vezes, solidárias com as mudanças de forma: formam-se palavras novas por derivação ou composição. Assim, formamos verbos com substantivos, dando-lhes desinências verbais (e vice-versa). Mas, sem mudar de forma, as palavras antigas podem mudar de sentido. Compreende-se facilmente como são possíveis tais mudanças. Charme significa, de início, cantocanto mágico, sortilégio – depois poder do que subjuga (como o sortilégio), depois poder do que encanta ou, simplesmente, do que seduz, do que agrada. A palavra foi transportada, por uma série de empregos individuais, de uma situação particular a outra, algo diferente, sem que se notassem essas pequeninas mudanças de sentido.

As mudanças podem ocorrer em todas as direções. Vão, por exemplo, da qualidade ao objeto que a possui; do objeto à qualidade mais notável; da matéria à função; da ação à coisa que é o seu objeto ou efeito. Uma coisa dá seu nome a outra, ou porque é parte dela [bureau=tapete de burel; depois móvel coberto com um tapete; depois, sala onde está esse móvel], ou porque se lhe assemelha: bico (de pena), pé (de mesa), cabeça (de parafuso), provêm de nomes de partes do corpo do homem ou dos animais. – As designações do espaço estendem-se a uma série de outras relações (para indica direção no espaço e no tempo, tendência, esforço; perto indica proximidade e, pois, comparação). – Todo o vocabulário material se aplica, ao mesmo tempo, ao aspecto moral das situações e dos atos, e acaba por servir para designá-los diretamente (compreender vem de prender; diz-se também apanhar); falamos da clareza das idéias, de suas ligações, do peso da dor e do calor do sentimento. – Todas as palavras abstratas vêm de palavras mais concretas: em francês, gain significa, de início, corte do feno; gagner significa fazer pastar; depois essas palavras se generalizam e se aplicam à aquisição de toda espécie de riquezas. – Os instrumentos gramaticais (preposições, advérbios, conjunções, verbos auxiliares, pronomes, sufixos e prefixos) são palavras abstratas que servem, apenas, para modificar o sentido das palavras concretas às quais se associam: vêm de palavras concretas que sofreram a mesma evolução. – O povo retoma, em sentido mais concreto, as palavras abstratas da língua erudita (moda, que significa maneira, modalidade em geral, só é conhecida do povo no sentido de maneira de vestir).

Em resumo, a língua está em contínua flutuação; a tradição não pode manter fixas nem as formas, nem os sentidos.

Uma palavra não possui, em rigor, o mesmo valor para quem fala e para quem ouve; e as circunstâncias acidentais de seu emprego tendem sempre a carregá-la de valores novos e a ocultar-lhe valores antigos. Aliás, essa deformação individual tem limites, pois a função da linguagem é estabelecer um elo entre os espíritos. Iniciativa que não fosse ao sentido das necessidades coletivas permaneceria um simples erro de linguagem e não se generalizaria. Pelas mesmas razões, as iniciativas que generalizam parecem surgir espontaneamente em diversos pontos e a lingüística pode explicar a evolução das línguas por causas sociais, sem ter de levar em conta os indivíduos mediante os quais essas causas atuam.

Pode-se concluir que, se a ciência não nos revela as origens das línguas, mostra-nos, ao estudar-lhes a vida, as forças sempre atuantes que presidiram tanto a seu nascimento como a seu progresso.

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